‘Doutor Google’ pode criar geração de Cibercondríacos


Com a internet cada vez mais acessível e as dificuldades de consultas e exames na rede pública de saúde, a população tem recorrido a um médico nada convencional, o ‘Doutor Google’. Artigos de autoria atribuída a médicos, reportagens e entrevistas com profissionais de várias especialidades, fóruns com debates de pessoas leigas acabam sendo acatados como fontes de pesquisa. A prática tem levado muita gente a se autodiagnosticar e, com isso, se valer da automedicação.

Um levantamento realizado pelo Google a partir das buscas dos internautas apontou que enquanto 35% dos brasileiros vão direto ao médico quando se sentem doentes, 26% preferem recorrer às consultas virtuais, ignorando os riscos que esse recurso pode representar para a saúde, inclusive de morte.

A professora Meire Santos se enquadra no segundo grupo e admite que tem, de fato, falhado nos cuidados com a saúde. “Eu sempre acesso o Google quando me sinto doente e, na maioria das vezes, nem procuro o médico. Quando vou, já chego com meu próprio diagnóstico só para ele passar o remédio, como numa amigdalite, que exige o uso de antibiótico e precisa da receita”, admitiu.

Ela não é a única a utilizar a consulta via Google. A artesã Lúcia Lima admite que, com frequência, faz pesquisas à procura de informações de saúde. Porém, sempre que é possível, procura um profissional. “Agora, eu tenho preferido ir ao médico, porque, às vezes, as informações do Google deixam a gente com mais medo ainda. Imagino o risco de fazer um diagnóstico errado, porque uma coisa é ir ao especialista e outra é buscar, a partir de sintomas soltos, um diagnóstico, sem acompanhamento. Mas, se for problemas corriqueiros, como uma gripe, pesquiso e me automedico”, disse.

Para o presidente do Conselho Regional de Medicina da Paraíba (CRM-PB), Roberto Magliano, a pesquisa é importante como meio de informação, mas a internet nunca deve substituir uma consulta. Ele vê a realidade com apreensão. “Já vi pessoas se automedicarem a partir do Google e isso é muito perigoso. Elas podem estar tomando medicamento para uma determinada doença e não ter a doença”, ressaltou. O médico alertou que diagnósticos a partir de buscas na internet e tratamento com base nessas pesquisas podem não ser adequados para a pessoa e ter consequências graves.

Casos reais. O perigo de se automedicar a partir de um diagnóstico feito em pesquisas no Google é uma reação alérgica, um tratamento que não vai surtir efeito ou a ausência do diagnóstico de uma doença grave.

“Em meu consultório, atendi mulheres que ficaram apavoradas achando que tinham câncer e não tinham nada. Já tive paciente com sangramento que tomaram medicações e estavam grávidas, o que poderia provocar algum problema na criança. O uso de hormônios também pode ter consequências sérias”, afirmou o médico Roberto Magliano.

Por isso, segundo ele, a recomendação é que a pessoa sempre procure o médico. “Em última instância, procurar o Google para ter informações gerais de saúde, mas para qualquer tipo de tratamento e se prevenir de doenças futuras, deve fazer um check up ou rastrear alguma doença”, ensinou.

MÉDICO É ESSENCIAL



Olho lacrimejando, dor, vermelhidão, sem secreção. Os sintomas poderiam indicar uma inflamação simples no olho e, segundo a pesquisa via 'Doutor Google', seriam, entre outros, de conjuntivite que, em tese, é curada em poucos dias com o uso de soro fisiológico. Porém, os sintomas pioraram e a dona de casa Luciana Marinho teve que procurar um Oftalmologista.

“Descobri que era um problema chamado uveíte. Sentia uma dor lá no fundo do olho que piorava com a luminosidade e era apenas em um olho, que ficava muito vermelho. Só que, aos poucos foi se agravando, até que fui buscar ajuda médica”, relatou.



Depois dos exames adequados, o médico chegou ao diagnóstico de uveíte, uma doença da qual ela nunca tinha ouvido falar, mas que, se não for tratada corretamente, pode levar à cegueira. “Imagine se eu tivesse apenas lido algo sobre olhos vermelhos que não produzem nenhuma secreção. Teria só lavado com soro e corrido o risco de perder minha visão”.

TROCA DE POSTURA



A professora Meire Santos contou que pesquisa porque quer descobrir logo do que se tratam os sintomas, se podem indicar alguma doença grave. “Sei que é perigoso fazer isso, porque deixo de realizar exames para um diagnóstico correto e acabo me automedicando. Já usei remédio para dor de ouvido, gripe, tosse. Porém, tenho consciência de que é o olhar médico e os exames que ajudam a diagnosticar corretamente”, afirmou. Ela disse, porém, que pretende mudar essa postura e procurar cuidar melhor da saúde, sem colocá-la em risco.

É o que também promete a artesã Lúcia Lima. "Eu sempre pesquiso sobre o que sinto na internet, mas sei da importância do médico nessas horas. Há alguns anos, tive sintomas na mama e achei que estava com câncer. Já tinha lido sobre o assunto e tinha tudo para ser esse o diagnóstico, mas nessa situação nem tive coragem de olhar, porque tinha quase certeza de que estava gravemente doente. Era o que faltava para tomar a iniciativa de ir ao médico, que passou exames e me tranquilizou. No final, foi um alívio descobrir que não era câncer”, relatou.

Para Lúcia, uma das coisas que mais assusta é se autodiagnosticar com uma doença grave sem estar realmente doente. Atualmente, mesmo insistindo nas pesquisas, ela sempre vai ao médico e relata os sintomas quando acha que é algo mais preocupante.

“Mas, se for coisa simples, como enxaqueca, gripe, essas coisas, eu olho. Agora, o que imagino ser doença grave, nem quero ouvir falar. Vou ao médico”, garantiu.

A artesã, que é hipertensa, disse que quando se trata de um problema que já teve e tomou determinada medicação, pode até comprar. Um exemplo é o diclofenaco de potássio para dores na coluna ou alguma inflamação. “Esse eu tomo sem medo, mas no geral procuro não me automedicar, a não ser com remédios caseiros, chás ou compressas, se for o caso”. Se envolver alimentação, ela sabe que é preciso ter uma dieta saudável, combatendo anemia com folhas verdes e outros alimentos que contenham ferro.


RECEITA NÃO É UNIVERSAL



No caso da agricultora Maria da Penha Silva, o diclofenaco de potássio não foi suficiente para curar a dor na coluna. Ela, que também recorre ao ‘Doutor Google’, afirmou que a pesquisa serve para dar uma ideia do que algum sinal pode significar para sua saúde. Ir ao médico sempre era em último caso.

No entanto, as dores nas costas que não passaram depois da automedicação e a fizeram abandonar a profissão no campo. A situação fez com que cedesse e buscasse ajuda. “Tem situações que a gente pesquisa e ajuda a clarear as ideias, mas em outras, no final, não é nada daquilo que a internet mostrou”, constatou.

Roberto Magliano, presidente do CRM-PB, ressaltou que ninguém deve seguir receitas encontradas na internet, mesmo que sejam para os mesmos sintomas.

“É uma loucura. Se a receita fosse universal, não faríamos uma para cada paciente. Quando a gente faz uma receita é conforme as condições do paciente, como se fosse uma roupa sob medida, mas as pessoas acham que é tudo natural”, verificou.



Nem tudo é ruim. “Toda informação é boa. Quando as pessoas procuram se informar, melhoram o cuidado que têm com a saúde. Vejo de maneira muito positiva. Não podemos entender que o Google e outras ferramentas de busca sejam considerados coisas ruins. Isso é inexorável. As pessoas consultam as redes sociais, 80% da população acessam a internet e essa rede só tende a aumentar”, constatou o Roberto Magliano.

Na opinião do médico, a era digital substituiu as pesquisas que eram feitas em livros. Hoje, segundo ele, o Google se destaca pela eficiência e velocidade, mas lembrou que é preciso ter cuidado ao buscar informações como as que abordam os cuidados gerais com a saúde. Segundo o médico, elas envolvem hábitos que devem ser abandonados, como o tabaco, drogas, álcool. E outros que devem ser cultivados, como a atividade física, se alimentar bem.

“Mas, a coisa começa a ficar preocupante quando o paciente ignora que tem uma condição grave que mereça um cuidado maior e não vai buscar a orientação de um profissional que avalie de maneira mais precisa o seu caso”, observou.

Magliano lembrou ainda que a procura no Google por uma informação de saúde genérica, a resposta que encontrada pode ser muito técnica. “Se a pessoa não é da área, não vai ter discernimento para entender a amplitude dessa informação, e ela pode não dizer respeito a um caso particular”.

PRÁTICA CRIA ‘CIBERCONDRÍACOS’



Embora o Google não tenha o recorte dos dados por Estado, o panorama nacional mostra que é comum a população recorrer às pesquisas quando precisa tirar dúvidas em relação à saúde. Conforme a plataforma, em um país em que o sistema de saúde é deficiente e poucas pessoas têm acesso a médicos, o digital se torna um grande aliado.

De acordo com o Google, a falta de planos de saúde, a dificuldade em marcar consulta com um especialista no SUS e até mesmo de conseguir uma cirurgia que exija leito de UTI aumentam o número de internautas que recorrem às pesquisas virtuais em busca de informações sobre saúde.

O levantamento do Google mostrou ainda que a prática acaba criando uma geração de 'cibercondríacos', ou seja, pacientes que se auto diagnosticam por meio de pesquisas na internet. O detalhe da pesquisa, conforme o Google, é que não se está falando apenas de pacientes pontuais, mas de consumidores que procuram saúde no dia a dia.

"Em um país em que mais de 70% da população depende dos serviços públicos de saúde, ou apenas 5% têm acesso a dentista, a internet é o primeiro lugar para se saber mais de problemas relacionados à saúde. Não à toa, a cada 20 pesquisas no Google, uma é relacionada à saúde", diz a pesquisa. Ainda conforme o material, 32% dos brasileiros com acesso à internet concordam com a frase: ‘Eu tenho que estar muito doente para ir ao médico’.

A investigação do Google diz que, através do consumidor conectado é possível diagnosticar o seu comportamento e os desafios na categoria de Saúde. “97% das buscas da categoria se encontram no momento da jornada em que o consumidor já se depara com um sintoma ou doença”, diz a pesquisa da plataforma.

Correio da Paraíba