O Brasil no século 19 poderia ser roteiro de
uma série de época com ingredientes típicos de ficção. Cenas de aventura nos
mares e na terra, ameaças de invasão e violência, medo, fuga, tiros, pedras,
disputas pelo poder, relações de família, personagens controversos, cenas à
beira do rio, homens em cavalaria, enlaces entre povos, novos ajustes e um
grito de vida ou morte para chamar outras temporadas.
O enredo só parece de ficção. Pesquisadores
da história do Brasil e de Portugal constroem diferentes olhares ao contexto da
Independência do Brasil, que instiga o público há praticamente dois séculos.
Desde o ensino fundamental, aprende-se que
essa "série" não está relacionada unicamente à celebração do 7 de
Setembro, motivo de feriado nacional. Para entender esse marco histórico,
garantem os especialistas, é preciso rever causas, eventos antecedentes e
efeitos. Enfim, “maratonar” os eventos que precedem e sucedem a alegoria do
grito do Ipiranga, registrada pelo pintor Pedro Américo décadas depois de
1820.
São tantas reviravoltas que renderiam
episódios agitadíssimos e à moda antiga: sem telefonemas ou mensagens
instantâneas para organizar os atos entre pessoas que estão distantes. As
ordens e os documentos do Brasil Colônia atravessam os caminhos entre metrópole
e colônia por cartas depois de meses de navio pelo Oceano Atlântico e ao sabor
do vento já que o barco vapor ainda era um experimento incapaz de enfrentar os
mares.
O tempo é um tempero a mais nesta história: a
distância entre os países criava ruídos e diminuía o peso de decisões, decretos
feitos entre as cortes no Brasil e Portugal. Todos falavam português, mas a
demora com que as informações atravessavam os mares, em geral, de dois a três
meses, retirava as informações de contexto. No vídeo a seguir, historiadores
comentam as peculiaridades nas comunicações da época:
O pertencimento à Independência
Para os especialistas entrevistados, os
episódios desta série da vida real estão todos associados uns aos outros,
enlaçados em seus significados. Inclusive, aos sentimentos de brasilidade do
público. “Quando pensamos ter a necessidade de tratar do que aconteceu com o
Brasil há 200 anos, é porque encontramos algum laço entre o presente e o
passado. Esse vínculo se estabelece como forma de comemorar e de lembrar. A
razão para contar essa história é para criar vínculos de pertencimento”, afirma
o historiador Deusdedith Rocha Junior.
Os referenciais desse “pertencimento”,
conforme explica Deusdedith, devem levar em conta que o que vai ser lembrado
nesse roteiro é fruto de uma “disputa”. O conflito permanente está na raiz de
todo o processo. A disputa entre os poderosos da época tem diferentes marcos,
como a fuga da família real portuguesa nos dias finais de novembro de 1807 para
a colônia Brasil, aonde chegaria somente em 22 de janeiro de 1808. Dom João VI,
o príncipe regente português, não viu outra saída, depois que o país foi
ameaçado de invasão pelas tropas do imperador francês Napoleão Bonaparte, já
que Portugal não havia aderido ao bloqueio continental contra a Inglaterra.
Dom João resolveu apostar em uma aventura e
embarcou a família inteira, incluindo a mãe, Maria, a esposa, Carlota Joaquina,
os filhos, Pedro e Miguel, e outros integrantes da corte em navios e rumaram
para o país desconhecido. Ao saber que os poderosos fugiam, a população teria
atacado os navios reais inclusive com pedras. Para os pesquisadores, os
caminhos da independência brasileira começam a tomar forma nesse episódio
inusitado.
Com Agencia Brasil